Ao longo de 30 anos trabalhando com design, sempre fui movido pela capacidade humana de inovar e criar. Recentemente, como muitos de nós, me vi refletindo sobre como a inteligência artificial está remodelando nossas carreiras, especialmente no campo das atividades criativas. Então, me pergunto: o que será regido pelas redes neurais humanas ou pelos algoritmos da máquina?
Modelos criativos
Desde o início da minha carreira, a criatividade tem sido a força motriz que impulsiona meu trabalho e minha visão como empreendedor. A obsessão pela inovação e a busca muitas vezes sem limites por novas formas de pensar e criar, sempre me acompanhou. Há três décadas, adotei empiricamente um modelo que chamei de dual, para a execução de soluções de design em suas mais variadas vertentes (gráfico, produto, ambiental, serviço, business etc.), uma abordagem que integra pensamento analítico e criativo, concomitantemente. Demorei 15 anos para compreender plenamente a eficácia do resultado fundamental desse modelo, que chamei de Key idea, um nome comum em outras metodologias, mas que no meu caso estava associado a um processo muito particular. Por meio da metáfora da Lemniscata, criei simbolismo e ritual para um processo dinâmico e iterativo de alternância constante entre o pensamento analítico-crítico (baseado pela inteligência) e o intuitivo-criativo (baseado pela criatividade) – e estruturei o modelo para trabalhar na construção de conceitos e soluções de design potentes, as tais key ideas.
Em 2010, documentei minhas metodologias através de frameworks flexíveis e claros, com o objetivo de ajudar novos designers da então B+G (hoje, CBA B+G) a alcançar ideias poderosas mais rapidamente. Como o framework era muito flexível e amplo, adicionei também outros componentes práticos ao método, incluindo por exemplo a matriz de insights e os mapas mentais, ferramentas que estimulam a criação de ideias através da simulação criativa (não necessariamente a criatividade), ou seja – a geração de ideias a partir de processos formulados e muitas vezes lineares que substituem, em parte, o processo criativo espontâneo e intuitivo (este sim, a criatividade real).
Estes modelos, fórmulas quase mágicas usadas para se chegar a um resultado a partir de um processo inteligente e bastante racional, ajudavam meus profissionais de duas formas: os menos experientes conseguiam chegar em resultados satisfatórios e os mais experientes conseguiam acelerar enormemente o caminho até a criatividade real. E entendi, à época, que a simulação da criatividade através desses modelos estava na fronteira entre o pensamento analítico e a própria criatividade real, tornando muitas vezes difícil, para um crítico desavisado, discernir entre ideias verdadeiramente criativas e soluções baseadas em construções metodológicas as quais passei também a adotar como ‘esquenta’ ou acelerador da criatividade real.
Habemus Artificialis Intelligentia!
Agora, com o advento da inteligência artificial generativa, é fascinante considerar como a tecnologia pode, mais uma vez, influenciar e potencializar a criatividade real. A facilidade dos modelos em LLM, associados à capacidade dos algoritmos de aprender e produzir novas instâncias com base em dados e modelos preexistentes complementa o pensamento divergente, intuitivo e espontâneo humano, oferecendo novas perspectivas e, por consequência, novas possibilidades para a criatividade, o que impacta muito particularmente, todos nós agentes da indústria criativa. Mal comparando, mas já comparando, do ponto de vista da criatividade real, os modelos generativos a partir da IA são como os métodos lineares de simulação da criatividade que adotei 15 anos atrás. Eles não substituem o que estou chamando aqui de criatividade real, mas são aceleradores incríveis.
Se uma atividade humana pode ser formulada,
ela pode ser substituída.
Nossa inteligência não cria nada sozinha, ela sim nos municia com a capacidade analítica de concatenar as bases para a geração de uma ideia espontânea. Isto é, aquela proposta do modelo dual para se chegar ao novo (a Key idea), que de um lado trabalha com a inteligência (pensamento analítico-crítico) e do outro, com a criatividade (pensamento intuitivo-criativo) já oferecia, em princípio, um processo tanto para a simulação da criatividade quanto para a criatividade real, a depender da experiência do profissional (conhecimento cognitivo), tempo e profundidade dedicada ao projeto. Ou seja, excetuando-se o território da criatividade real, toda a capacidade de formular processos de maneira estruturada pode ser transmitida aos sistemas em IA. E isso sugere que quase todas as atividades previsíveis, testadas e formuladas que não requerem componentes éticos, morais e de contexto cultural, podem ser replicadas pelos algoritmos dessa tecnologia.
Contudo, a criatividade real, que envolve intuição, emoção e pensamento não linear, ainda é uma área distintivamente humana. Do lado da inteligência, moralidade, ética, consciência, resolução de conflitos emocionais e compreensão de contextos sociais são também ainda aspectos intrínsecos à humanidade. São campos que vão além da execução de tarefas ou reprodução de padrões supostamente criativos ou inteligentes.
Filosofando sobre o prompt
O prompt, no contexto das plataformas generativas, é uma peça fundamental na conexão do humano e capacidade computacional. Ele serve muito bem como uma metáfora do ‘algorítmo humano’ na interação entre inteligências humana e artificial, entre a criatividade real humana e a simulação da criatividade da máquina, representando o elo perfeito entre estas duas capacidades cognitivas humanas e seus pares generativos a partir de dados análogos e fórmulas propostas pela ou para a máquina. O mesmo acontecerá com seu primo-irmão na próxima geração de interação humano-máquina a dominar a cena, o comando de voz.
Diante do desafio lançado ao pensamento analítico e refletindo sobre a inteligência artificial, que toma de assalto um bom espaço onde antes imaginávamos ser exclusivo da inteligência humana, aponto para a oportunidade indiscutível de se compreender e preservar a essência dos componentes da inteligência humana ainda insubstituíveis, como a ética, e a criatividade real. Penso que a interação entre essas inteligências revela dois grandes eixos fundamentais de evolução do design e fora dele: um primeiro, que avança através da conexão cada vez maior entre o humano e o sintético, e um segundo, que recoloca o humano em sua dimensão correta, retirando potencialmente de nossas mãos e mentes toda a ocupação automatizada, mecânica e de processos que temos criado para nós mesmos e supervalorizado ao longo de décadas de nossa história. Aproveitemos, então, este momento único de voltarmos a ser humanos, naquilo de melhor que isto significa.
Luís Bartolomei, CEO CBA B+G