Marcas engajadas não é um tema novo. Há décadas, muito se fala sobre a importância de se ter um propósito claro. Alinhada a essa intenção primordial, vem a necessidade de definir quais causas uma marca quer defender, atendendo a demandas de um público faminto por posicionamentos mais humanizados e coerentes. Hoje, não se sustentam mais as marcas que buscam apenas lucro: elas são cobradas a contribuir na construção de uma sociedade melhor.
Com a pandemia descontrolada, a polarização da sociedade, a presença mais forte das mídias sociais e a crescente cultura do cancelamento, todo o jogo se acelerou. O que era antes uma oportunidade agora é uma necessidade, por vezes, de sobrevivência. Marcas precisam construir seu território de impacto positivo, pois a simples posição baseada na troca por produtos e serviços, associada à neutralidade em relação a temas relevantes como racismo, questões de gênero, feminismo e meio ambiente já não alimenta mais o vigor de suas ofertas. Não se posicionar pode transmitir a ideia de consentimento, enquanto emitir opiniões pode ser lido como hipocrisia, se o discurso não vier acompanhado de ações concretas e condizentes com seu DNA. E tudo isso desidrata o valor de uma marca.
Assim, além de um posicionamento claro, as marcas precisam ter um engajamento autêntico com uma ou mais causas para se manterem competitivas. O desafio que se coloca é como fazer isso de forma construtiva, coerente com seus valores e sem soar oportunista – e além de tudo, cuidando para minimizar riscos de boicote em um ambiente cada vez mais exigente em que um deslize pode ser fatal.
Pensando nesse contexto desafiador e instigante, propomos algumas reflexões a fim de ajudar marcas a entenderem os diferentes tipos e níveis de ativismo possíveis, os riscos e os benefícios envolvidos em levantar sua voz. Caminhos que, quando trilhados com verdade e transparência, podem levar a um engajamento real e duradouro.
Diferentes formas e perfis de engajamento
Todos sabemos, não existe uma única forma de se engajar, nem há uma cartilha de certo e errado. A seguir, sugerimos uma classificação em que o perfil ativista da marca depende menos do tamanho ou da categoria em que a empresa atua, e mais do seu DNA e da relação desejada com seus stakeholders. Vamos a elas:
As Superativistas
São marcas militantes desde sua fundação, que têm um nível muito alto de engajamento com causas alinhadas aos valores da marca, e defendidas pelos próprios sócios fundadores ou CEOs. Elas acreditam no fazer mais do que no falar, e vão pra rua junto com seu público para serem ouvidas, com o objetivo de chegar a uma efetiva mudança social. Criam uma conexão emocional muito forte com seus simpatizantes, tanto que muitos deles costumam virar embaixadores da marca.
- A mais conhecida e mais bem sucedida talvez seja a Patagonia, marca de outdoor lifestyle engajada em causas ambientais, que deu o que falar com seu anúncio “don’t buy this jacket”, convidando as pessoas a reconsiderarem compras impulsivas.
- A marca de sorvetes Ben & Jerry’s (Unilever) também pratica fortemente o engajamento em causas sociais.
- Na América Latina, a marca colombiana de água pluvial Yoró – Água del Cielo foi criada para ajudar o vilarejo de Lloró, da carente região de Chocó, garantindo retornar 50% do seu lucro líquido para a cidade. José F. Ramirez, co-fundador da marca, explica que “o objetivo desde o início era construir uma marca que deixe uma impressão ambiental e social. Nascemos com esta missão, é ela que norteia todo nosso storytelling e storymaking. Mais que uma ação pontual ou uma doação única, o projeto foi pensado para ser sustentável no tempo e ter impacto a longo prazo.”
As Quebra-Paradigmas
São marcas inovadoras, que desde seu nascimento são pioneiras em seus respectivos negócios. Seus próprios produtos ou serviços core são as suas bandeiras, já que elas propõem mudar padrões e quebrar o status quo de uma categoria. Por responderem a necessidades não atendidas, elas costumam ter uma relação emocional com sua base de consumidores.
- Impossible Burger e Fazenda Futuro são exemplos desse perfil. Pioneiras no mercado de carne vegana, têm como missão diminuir o impacto ambiental causado pelo abate animal.
- Outro caso é a Fenty Beauty, marca de cosméticos da Rihanna, que lançou 50 tons diferentes de base em um mercado ainda bastante exclusivo.
- No Brasil, o exemplo é a marca de calcinhas absorventes Pantys, que traz uma opção ecorresponsável para quem menstrua.
São marcas que não tem um engajamento tão assumido e constante quanto as superativistas, mas que defendem seus valores e causas de forma coerente. Lideram iniciativas engajadas e são ágeis em se posicionar sobre acontecimentos atuais, que conectam com seus valores buscando fazer parte da conversa e incentivar discussões, mesmo que isso signifique não agradar a todos.
- A Starbucks, nos Estados Unidos, se posicionou em vários momentos sobre questões de justiça social gerando retornos positivos, mas também críticas: a marca impediu o uso de armas dentro de seus cafés depois de um mass shooting, defendeu o casamento gay e encorajou conversas sobre o racismo (esta última sendo bastante criticada).
- A Nike gerou muito barulho ao fazer uma colaboração com o jogador de futebol americano ativista Colin Kaepernick, e pelo anúncio “Just don’t do it”, pedindo para ninguém mais ignorar o racismo existente. A marca, que já tem muitos compromissos com o combate ao racismo, recebeu muitos elogios, mas também esperava uma perda de apoio de americanos mais conservadores, o que de fato aconteceu.
- No Brasil, a Boticário promove equidade racial, com comunicações para a festa de Natal e no dia dos pais, retratando famílias negras, respaldadas por iniciativas concretas.
São empresas que têm iniciativas corporativas (fundações, programas de responsabilidade social, doações) que beneficiam causas, normalmente assinadas pela masterbrand. O engajamento da marca não aparece de forma tão visível através de seus pilares e canais de comunicação das submarcas. É uma forma mais tradicional – e também mais discreta – de se engajar, sem gerar conversas e controvérsias, porém ainda assim mobilizadora, principalmente junto a seus consumidores. Além das iniciativas corporativas, essas empresas também já entenderam que seu portfólio de produtos deve estar alinhado à visão sustentável e às necessidades latentes para gerar mudanças de fato para a nossa sociedade e para o planeta.
- Aqui cabe falar de três gigantes: Nestlé, com o Cocoa Plan, que garante a produção fair trade de cacau com condições de trabalho decentes para as famílias de fazendeiros; Kimberly-Clark, com a ambição de reduzir sua pegada ambiental em 50% até 2030 e a Braskem, com a marca I’m green™, pela qual reforça o compromisso da empresa com a Economia Circular.
Vantagens & desvantagens de se engajar em uma causa
E quando é que vale a pena se engajar e opinar sobre uma causa ou uma questão atual? Para Carolina Barruffini, diretora de Branding da CBA B+G, as marcas precisam se arriscar mais. “Sem dúvidas existem riscos no envolvimento de uma marca em causas relevantes para os indivíduos, entretanto, muitos exemplos reais têm nos mostrado que agir ainda é melhor do que não se posicionar, mesmo que o impacto seja pequeno, e desde que a ação seja direcionada por verdade e transparência.”
Abaixo, listamos os prós e contras que toda marca precisa avaliar por ela mesma antes de se posicionar em cada contexto.
Boas práticas para um impacto positivo, real e duradouro
Como, então, marcas podem se engajar em causas de forma perene, autêntica e de maneira que minimize riscos? Sugerimos 8 passos para fazer isso acontecer. É uma jornada longa, mas que sem dúvida pode colocá-las no caminho para se manterem relevantes no futuro.
Os 8 passos do Impacto Positivo são:
1. Desenhar um posicionamento claro e poderoso
Qual é razão de existir e as crenças da marca? Qual seu DNA, sua personalidade e quem é o seu público-alvo? Um caminho para compreender o contexto da marca e suas ações é nosso Branding para o futuro, no qual desenvolvemos um playbook com reflexões para reconectar marcas, consumidores e mercados, as três esferas fundamentais do negócio (relação que se torna ainda mais importante em tempos pandêmicos). Saiba mais aqui.
2. Escolher batalhas
A partir dos fundamentos da marca e alinhadas a eles, é preciso identificar as causas que a marca tem credibilidade para defender.
3. Definir os stakeholders
Além do público-alvo ou dos clientes que compram a oferta da marca, quem mais ela impacta, de forma indireta ou direta, externa e interna? Stakeholders incluem colaboradores e suas famílias, board e investidores, influenciadores, mídia especializada, governo e agentes sociais.
4. Olhar para o histórico da marca (e seu momento presente)
Por mais que o propósito tenha evoluído ao longo dos anos, a marca tem um passado que não pode ser ignorado. É necessário revisitar ações, afirmações e campanhas anteriores para avaliar a credibilidade para se engajar em um assunto. Ou, em alguns casos, fazer um mea culpa (a Skol fez isso em 2017, quem lembra?). E é preciso considerar a reputação: se estiver muito frágil, colocar a marca sob os holofotes pode não ser o movimento mais adequado.
5. Definir o perfil de engajamento
Entre superativista, quebra-paradigma, ousada e responsável, onde faz mais sentido para a marca estar hoje e qual sua ambição para o futuro?
6. Identificar riscos potenciais
Quanto mais peso tiver a marca, mais ela precisa avaliar os riscos e benefícios antes de tomar qualquer posicionamento relativo a uma causa – inclusive sobre manter-se neutra ou não.
7. Walk the talk
A marca não sobrevive de promessas, grandes discursos ou campanhas impactantes sem ações significativas e reais que a suporte. Os consumidores esperam que a marca (empresa) se engaje de forma realista e tangível e, se isso não acontecer, eles irão cobrar.
8. Escutar os feedbacks
O retorno dos stakeholders merece atenção. A marca precisa aprender com os erros e acertos e agir rápido. Monitorar a relação ‘promessa versus expectativa atendida’ pode determinar a saúde e a reputação da marca.
Para mergulhar mais nos assuntos de ativismo, marcas e branding, recomendamos a entrevista (em inglês) com Rose Marcaria, Presidente e CEO da Patagonia, para os estudantes de Stanford; o episódio Ativismo nos dias atuais, do podcast “O Tempo Virou” da Giovanna Nader, que tem como convidada a ativista social Alessandra Orofino; e por fim, esse ótimo texto que fala sobre a importância para marcas de tomar riscos, escrito por Jasmine Bina, estrategista de marcas.
E claro, fale com a gente se quiser bater um papo os desafios e oportunidade da sua marca. Se este conteúdo te inspirou ou se você conhece profissionais de negócios, estrategistas ou designers que possam ter interesse em participar do nosso time, escreva para [email protected] com suas expectativas, objetivos e história. Estamos sempre à procura de novos talentos!
Este conteúdo teve a contribuição de: Carmen Beer, Ana Cerqueira, Giuliana Sanchez, Thaísa Miyahara, Carolina Barrufini, Ana Biselli, Renato Storni, José F. Ramírez, Fabiana Quiroga, Josy Lamenza, Daniela Irrazabal, e Luis Bartolomei.